quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

O lançar de dados

" Tu olhas para uma pessoa , uma pessoa que sabes que não é uma pessoa qualquer , porque o teu olhar fixa.se nela e quando ela olha para ti e sente o mesmo que tu , sentes que alguma coisa vai acontecer . Não sabes nada ainda , mas intuis , intuis com os teus sentidos , com o teu corpo e às vezes com o teu coração que aquela pessoa pode ter qualquer coisa para te dar , que não sabes o que é , mas sabes que um dia vais descobrir e que esse dia pode ser nesse momento , e é então que tiras os dados do bolso e os lanças para cima da mesa .
Quando nos interessamos por alguém , nunca sabemos no que vai dar . Lançamos os dados como quem os deixa cair quase por acaso e muitas vezes nem queremos saber quanto deram : um e um , dois e quatro, três e três , cinco e dois , é sempre um mistério , porque a sorte também manda na vida , manda mais do que queríamos e menos do que gostaríamos , por isso desconfiamos dela sempre que nos é favorável , mas aceitamos as suas traições como a ordem natural das coisas , por mais absurdas que sejam .
Os dados caíram quando levantaste o copo e eu vi no chão seis e seis, vi.te a apanhar os dados e a rir , ouvi a tua voz e quando começámos a conversar , percebi que os dados estavam certos .
Gostamos de tudo um no outro ; eu gosto da tua casa , da tua música , da tua forma desligada de olhar para o mundo , tardes inteiras a repetir em stereo os melhores sketches do Gato Fedorento , os passeios à beira mar de camisola de lã com capuz , as polaroids com legendas e a forma como te divertes com tudo o que te rodeia . E tu gostas da minha alegria de viver , do meu sarcasmo cirúrgico , de dizer sempre tudo o que penso , sinto e quero , mesmo quando não estás preparado para me ouvir .
Eu gosto de te conhecer e de te perceber , porque és diferente dos outros homens e tu gostas que eu te entenda melhor do que todas as mulheres . E gostamos de estar um com o outro ; à mesa , em casa , com amigos , sem amigos , com sono , sem sono , mas sempre perto quando estamos perto , mesmo que fiquemos longe quando nos afastamos .
Acredito que todos temos direito a ter sorte e que , quando alguém aparece na nossa vida de repente , ou é porque nos vai fazer bem ou é porque nos pode fazer mal . E eu vi.te com bons olhos desde o primeiro momento , achei que me ias ajudar a limpar a tristeza , que a tua presença quase imperceptível na minha vida seria como um bálsamo , uma música perfeita e harmoniosa , um dia ao sol , ou uma noite em branco , daquelas que nos fazem pensar que a vida está cheia de surpresas boas e que vale mesmo a pena estar vivo , só para as saborear .
Tu foste e és tudo isto , e ainda mais agora , que somos amigos ; entre nós não há pesos nem amarras e o silêncio não quer dizer ausência , apesar da ausência reinar nos nossos dias .
Quando lançamos os dados , nunca sabemos no que vai dar ; tu podias ser um assassino encapotado e eu uma neurótica disfarçada , mas tivemos sorte , porque somos duas pessoas normais , com coração , e dois ou três princípios que nos fazem estar bem com a vida e com os outros .
Só tenho pena de não ser dona do tempo , porque houve momentos que , se pudesse , teria vivido mais vezes ou mais devagar , como quem saboreia um chá de menta , ao fim da tarde , no largo da Igreja a ouvir os sinos . E como escrever é a melhor forma de falar sem ser interrompido , digo.te agora e sem rodeios , fica comigo mais uma vez , vem rir do mundo e adormecer nos meus braços , abrir o teu coração e sonhar acordado , vem ter comigo hoje , porque eu quero lançar outra vez os dados e aposto que vai dar seis e seis outra vez , porque os dados nunca se enganam e a amizade é o amor sem preço e sem prazo de validade . "


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